Saturday, November 25, 2006

XCeará 2006, Nov 13-17

por Gonçalo Velez

Estas são as minhas conclusões, reconhecimento das minhas limitações, memórias das minhas experiências, para relembrar no próximo ano a fim de evitar os mesmos erros.

Participar no XCeará é sempre uma experiência aliciante não só pelas condições de voo radicais mas também pela dinâmica da organização e o ambiente social, não só entre pilotos, mas também com o pessoal da organização, sobretudo os recolhas, e a população. Ah… e aprendi a dançar forró!

Este ano o regime foi igual ao do ano passado: acordar às 6h, pequeno almoço a partir das 6h30, primeiro transporte para a descolagem às 7h, primeiras descolagens tão cedo quanto as 8h45!Convém descolar entre as 9h30 e as 10h30, o máximo até às 11h. Depois das 11h é provável instalar-se um vento muito forte. Antes das 9h30 as condições são fracas.

Os pilotos mais competentes e que pretendem passar os 300 km descolam perto das 9h mas correm grandes riscos. Só poucos atravessam a zona crítica (80 km), e os que o fazem apanham depois muito melhores condições.

Este ano senti que a minha Tattoo (dhv 2), para as condições de vento que se fizeram sentir, muito fortes, carecia de velocidade, sobretudo no vento da tarde. Várias vezes, por cima da descolagem, tinha de avançar de acelerador para barlavento. A capacidade de manobra com esta falta de velocidade é bastante reduzida, o que permite explorar muito menores possibilidades de voo. Fica-se parado, e chegar a qualquer sítio é moroso e demasiado propenso a ser-se apanhado na descendente durante demasiado tempo.

Este ano voei menos e achei as condições menos boas. Muito mais nebulosidade tornaram as condições mais fracas, os tectos mais baixos, e as térmicas mais deitadas (mesmo vento e ascendente mais fraca).Pelos resultados impressionantes dos pilotos de topo dá ideia que no XCeará basta inflar a asa e esperar umas horas que já se ganharam mais de 200 km…! Não é assim, bem pelo contrário…
As descolagens são o momento mais delicado do voo devido ao forte vento (30-50 kmh) e aos ciclos curtos e incertos. É recomendável esperar que passe uma nuvem e cubra de sombra toda a zona à frente da descolagem. A nuvem faz abrandar a brisa de montanha oferecendo uma maior segurança para descolar.
A sul da descolagem a cumeada eleva-se num rochedo enorme (140 mtr) e a subida é quase sempre garantida por uma ascendente termodinâmica. No entanto, as térmicas que aí se libertam são sofríveis e é preferível avançar para barlavento na direcção de qualquer nuvem que esteja ao alcance. Em alternativa espera-se que uma chegue. O lago a NE da descolagem também liberta boa térmica e nota-se a sua superfície tornar-se enrugada.
Os primeiros 60-80 km têm de ser voados em regime de sobrevivência, aproveitando todas as menores ascendentes que se encontram, nunca as perdendo. Avança-se enrolando térmica e viajando na sua deriva. Ao saír-se dela para sotavento, a maioria dos pilotos regressava para barlavento para continuar na ascendente enquanto houvesse, por que o risco de voar-se na sua descendente é grande.Partir para o desconhecido implica a maioria das vezes encontrar-se uma descendente de –7 e voar-se nela até ao chão.
Aqui compreendi ainda melhor a necessidade de ser-se paciente, muito paciente, e de enfrentar-se a adversidade friamente. Tal significa que depois de um longo trabalho para subir conclui-se que se obteve uma altura insuficiente e regressa-se à posição inicial, acima da descolagem, perdendo-se, nesse regresso, muita altitude. Isso é obrigatório fazer-se acima da descolagem para partir-se com boa altitude, mas a prudência obriga que se faça também ao longo do voo, sobretudo quando se voa na planície e não há referências de gatilhos.Mesmo os que se encontram (montes, lagos, aldeias) não libertam a térmica da forma a que estamos habituados em Portugal. A configuração da térmica não obedece à que conhecemos. Os fumos de queimadas que víamos viajavam deitados centenas de metros e depois subiam. Isso explica a enorme dificuldade de prever-se onde a térmica estará a subir.Muitas vezes voam-se bolhas: sobe-se, roda-se a perder, encontra-se outra bolha mais para o lado e na deriva… O trabalho é duro, implica mais paciência e perseverança. Esperar que se solte uma térmica consistente pode implicar pairar nos locais prováveis em que elas passem, locais onde se notou que outros pilotos subiram. Infelizmente não vi muitos urubus que me ajudassem.Percebi melhor o exercício psicológico que tem de fazer-se para se voar de forma consistente. Neste momento da minha evolução já adquiri um bom domínio da pilotagem de âmbito físico, mas dou-me conta que há um trabalho enorme a realizar de cariz intelectual e psicológico, que me impeça de ser impaciente e de facilitar, optando por soluções mais imediatas, e que me motive a realizar um trabalho que é enfadonho, moroso e aparentemente frustrante. É este aspecto que preciso de treinar.O erro típico, muito grosseiro, consiste em ver asas que subiram mais depressa e mais alto, e que partem, e pensar: “É pá, estou a ficar para trás. Bora partir e depois no caminho logo se vê a térmica que se encontra…”!Esta decisão é muito errada, resulta de impaciência, e produz resultados maus. Tenho feito isso demasiadas vezes!É interessante notar que, o que às vezes nos parece uma vantagem, não o é: muitos que partiram cedo, fizeram-no em condições deficientes, talvez apressadas ou forçadas, e parecendo que levam vantagem, estarão no chão quando por eles passam os “atrasados”!Tive um exemplo de enorme persistência no último dia de prova no qual vários pilotos descolaram perto das 9h. Metia dó observar o trabalho que tiveram de fazer pois, com condições tão fracas, subiam passando para trás do monte, depois tornavam a vir à frente confiando que o cúmulo seguinte tivesse boa ascendente, subiam, regressavam... Ocuparam-se desta tarefa mais de uma hora! Imagino o desgaste que isto lhes produziu.Impaciência tem sido o erro da maioria dos pilotos no Xceará por que as descendentes brutais não perdoam esta veleidade. Perguntei a opinião do dono do nosso hotel: o Almeida, deltista. Dizia-me para saír no sotavento da térmica e atravessar a descendente no máximo de velocidade.Eu acho que isso se aplicará melhor aos deltas. Parece-me que o parapente, com a sua reduzida velocidade, deve saír do cimo da térmica a 45º do eixo do vento, senão voamos a deriva da descendente e saíremos dela com muito custo, ou nunca saímos!Em todo o voo é necessário observar o céu, sobretudo quando se sobe na térmica, preparando antecipadamente o passo seguinte. É importante ter uma noção do rumo que as térmicas tomam, o eixo da direcção do vento, e o seu espaçamento. Como as térmicas viajam muito deitadas, a nossa distância para a ascendente da nuvem pode ser maior do que aquela a que estamos habituados em Portugal. Lembro-me de ter feito uma vez pontaria a um cúmulo e nunca ter conseguido chegar à sua ascendente! Em Portugal teria encontrado a sua térmica…A sotavento da descolagem, em cerca de 20 km, há uma região onde a maioria aterra por que tem rara ascendente. Notava-se pelo azul do céu que frequentemente aí se observava. Aí aterrava uma grande percentagem de pilotos. A aldeia de Custódio é local de encontro, e essa pista tem sempre vários pilotos debaixo de uma sombra esperando por recolha.Evitavam-se os montes a SW por intimidarem devido à aparente falta de aterragens, e os montes a NW implicavam atravessar o vale de Quixadá que é uma etapa longa. O “segredo” reside em partir-se bem alto junto com um cúmulo e observar se se forma outro a sotavento do lago de Quixadá.Neste XCeará tive algumas experiências novas:a) Enrolar até saír por cima da nuvem. No começo do dia os tectos estavam muito baixos e furar a nuvem era uma grande tentação. É intimidante andar a girar no branco durante tanto tempo (500-700m), vendo o orvalho acumular-se no neoprene da selette e as bandas a escorrer um fio de água contínuo, depois… faz-se luz , e aparece azul! É espectacular, e um alívio. Só o recomendo quando tivermos a certeza que estamos sós.b) Tive o azar de descolar uma vez quando se soltou uma térmica brutal. A asa a subir e a recuar, o acelerador a 50% não era suficiente. Empurro para os 100% (talvez demasiado bruscamente) e sofro um frontal brutal com as pontas da asa a tocarem-se. Na abertura ainda sou projectado mais para trás e começo a derivar como posso para norte, com acelerador a 50%, que é onde o monte diminui de altura e onde o rotor é menor. De repente, sofro um assimétrico intempestivo com rotação a 180º (voo com a asa carregada a 97%), vejo a asa a rodar praticamente na vertical. Deixei de pensar em regressar à descolagem e continuei a derivar mais para norte à procura de térmica nas bossas que lá havia ainda esperançado de recuperar o meu voo, mas nada: só rotor, agora mais brando.Fiz pontaria a uma depressão que me permitira voar mais longe. Confiei que se soltariam umas bolhas que me levassem lá, mas acabei apanhado numa descendente e perdi a finesse. Acabei a arborizar nos arbustos, por sorte sem nada sofrer, nem eu nem a asa (uau que bela serra encontrei dentro da minha selette!).Houve quem me dissesse que o que deveria ter feito seria enrolar aquela térmica e saír a voar para trás. Hei-de pensar nisso numa próxima, contudo a realidade é que temos a mente algo formatada da instrução de nível 3: nunca nos deixarmos arrastar para trás do monte.c) Aconteceu-me algo de muito estranho, que podia ter tido más consequências. As linhas dos manobradores da minha asa são muito finas e vão-se enrolando, e fazendo novelos. Já tinha notado que o manobrador esquerdo estava mais curto devido a estas torsões, mas não liguei, pilotava com uma mão mais alta que a outra...Uma tarde descolo e, em voo, reparo que o manobrador esquerdo está bloqueado e a asa travada desse lado a uns 50%! Fiz força, tentei separar as linhas presas, sem sucesso. Felizmente que as condições não estavam temíveis e só com o manobrador direito consegui pilotar até um campo à frente da descolagem e aterrei travando a banda D. Qual não foi o meu espanto quando não encontro a causa do bloqueio. As linhas estavam todas livres!!

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