Wednesday, March 07, 2007

Ainda o XCeará - Relato de Olympio Faissol


Agora que a ressaca passou, tentarei analisar de forma objetiva o que ocorreu:
No primeiro dia, chego a Patu às 2h30 da madrugada e me acordam às 6h30 para voar. Como não dormi na viagem (diurna) e já acumulava uma noite mal dormida em Madri, estava exausto. Decolamos às 7h30 (a decolagem mais matinal que já realizei) e chegamos rapidamente à base. O céu está todo formado e parece ser um dia promissor. Cecéu e um piloto búlgaro fazem a primeira tirada, e eu saio um pouco mais atrás. A segunda térmica do dia o Cecéu tira do chão, de forma espetacular. Embora seja 8h00 da manhã, o começo do vôo é turbulento. Nunca havia tomado um front nesse horário... Até o quilômetro sessenta, seguimos juntos, sempre altos, mas obrigados a voar com o vento um pouco em través para evitar o "plateau" de Martins. Chegamos a um buraco azul e decido não seguir o Cecéu e o búlgaro de modo a ganhar mais altura. No flat antes da Serra de Iracema chego novamente à condição e à base. Vejo que os outros dois pilotos já estão sobre a serra, cerca de 5km à minha frente. Começo a sentir o cansaço da viagem mas, animado com a perspectiva de haver decolado cedo e de ter muitas horas de vôo pela frente, sigo o vôo, agora em ritmo mais lento para cruzar a serra com segurança. Este ano está tudo mais verde, e os eldorados abundam na serra e nas planícies. Por alguns instantes, posso disfrutar o momento. Estou na base da nuvem, sobre a Serra de Iracema, com uma semana de vôo no sertão à minha frente. Devoro minhas barrinhas e tomo bastante água para esquecer o cansaço. Mais adiante, ainda sobre a serra, começo a ver as primeiras "estrelinhas", sintoma de exaustão e desidratação. Já desconcetrado, chego não muito alto ao sotavento da serra e subo numa térmica mexida que seria a última do dia. As "estrelinhas" de cansaço seguem aparecendo. Cruzo a BR e o rio que corre paralelo a uns 700m do solo, porém afundando muito rápido. É o primeiro grande respiro do dia e caio às 11h30, com 125km voados. Minha melhor chance de voar 300km havia sido desperdiçada, mas nas condições em que estava não tinha como seguir concentrado. O resto do dia, noite e madrugada seriam passados no resgate do búlgaro, que pousa com pouco menos de 200km, e do Cecéu, que aterrisa no Piauí, com 340km voados em 10 horas.
Chegando a Quixadá com o Rafa, que já estava em Patu há quase um mês e teria uma grande semana pela frente, aproveito para descansar. A atitude que tenho é equivocada: talvez por ter voado 209 km no mesmo evento, em 2002, num Octane, tendo pouca experiência, creio que os 300 virão naturalmente. É só questão de decolar cedo... Mas no vôo, como na vida, o resultado final é a soma das experiências. Como ponho muita ênfase no resultado final, nos "300", começam os erros.
Observo que a condição está mais úmida em comparação com os outros anos em que aqui estive. Mas o nordeste sempre bomba, certo? Errado. E tem mais: os pilotos estão decolando bem mais cedo do que nos outros anos, o que siginfica que as primeiras horas do vôo são críticas. São dois dados fundamentais, que resolvo ignorar.
No primeiro dia de prova, o vento é de nordeste e o Chico resolve definir a prova sentido sudoeste (a rota padrão é sentido oeste/noroeste). Um grupo grande chega à base e saímos todos juntos. Não há porque correr, é o começo da competição, os primeiros momentos do primeiro vôo. Mas decido sair na frente do grupo (o Rodrigo já havia disparado sozinho sentido Quixeramobim - também cairia cedo) e chego baixo a um venturi entre duas serras onde há muito vento e pouca térmica. Pouso no sotavento, numa pequena clareira, no meio de um mar de juremas. Volto à rampa, mas não há mais porque decolar. O vento virou de leste, o que significa que os pilotos em vôo terão de navegar com vento de través. Este provavelmente será um dia para descarte. Os melhores vôos do dia são de pouco mais de 200km.
No segundo dia, decolo cedo com o primeiro grupo e, ao invés de partir para o vôo da base da nuvem, como se deve, fico mais baixo que os demais. O pequeno grupo de 3 a 4 pilotos começa a tirada e resolvo segui-lo, porém bem mais baixo (primeiro erro). Chego muito mal a uma pequena parede de granito ao sul da pedra da galinha choca. O Cecéu também está mal e se junta a mim. Ficamos num "zerinho" que lentamente nos tira da chão. Outro parapente se junta a nós. Mas a evolução é lenta e, como estou afobado para voar 300km, faço uma tirada suicida para a planície na esperança de catar algo mais forte mais adiante (segundo erro). Não são nem 9h00 da manhã, e meu destino é o chão. Pouco depois de pousar, vejo o Rafa passando na base de uma nuvem que começa a se formar. O Cecéu e o outro parapente, que ficaram no "zerinho", também passam altos. O melhor vôo do dia é de 342km. O Rafa voa 338km. Alguns pilotos, como o Rodrigo e o Ceará, voam bem mas caem em Monsenhor Tabosa (120km).
No terceiro dia, no café da manhã, sinto o peso da competição pela primeira vez. O XCeará pode ser uma experiência maravilhosa, mas também é uma competição onde a pressão psicológica é enorme, pois um ou dois erros podem significar a diferença entre um vôo de 3o e 300km. É comum pousar ainda de manhã, com poucos kms voados, ver vários parapentes passando na base da nuvem, voltar ao hotel e receber, no fim da tarde, as notícias sobre os grandes vôos que os outros realizaram.
Pois bem, ainda que o campeonato permita dois descartes, decido que agora só interessa voar 300 km - que se dane a competição. Decolando cedo, penso (erradamente), é questão de tempo ser premiado com um grande vôo. No terceiro dia, saio muito cedo e sozinho. Tudo vai muito bem até pouco antes de Algodões, onde vou da base ao chão numa única descendente. Pouso sem acreditar no que está acontecendo. Voltando a Quixadá, o dia piora rapidamente. Mais a oeste na rota de vôo, as condições são épicas. Os que passam são premiados. Vários pilotos voam mais de 300km. O Rafa voa 370, ficando a 10km da marca sul-americana.
O quarto dia tem previsão de chuva, algo raro nessa época do ano em Quixadá. A temporada parece que se adiantou e a condição de novembro se parece mais àquela característica de dezembro. Amanhece nublado e chegam a cair umas gotas de chuva. Ninguém decola até pouco antes das dez, quando saio com mais dois parapentes. Os dois caem e eu sigo flutuando num dia sem sol e um pouco carregado. Por ironia, faço o melhor vôo do dia, de 70km (em 1h30), mas nem sequer descarrego o GPS. O desânimo é avassalador.
O último dia amanhece nublado e com pinta de chuva. Na rampa, ninguém quer decolar primeiro. É minha última chance de voar 300km. Mais adiante na rota, o tempo começa a abrir e resolvo arriscar sair sozinho para tentar chegar na condição. Faço o mais difícil, vôo quase 30km na sombra, chego ao sol e aos cumulus pouco antes de Algodões. O problema é que estou sozinho. Avanço cuidadosamente até o km 50, onde pouso às 9h00, desgostoso com o vôo e a vida. A confiança na minha pilotagem nunca foi tão escassa.
Tento me convencer de que essas coisas acontecem: Mike Barber (recordista mundial de distância livre em asa) e Szilard Forgo (outro excelente piloto, com vasta experiência em XC e competição) também não fizeram nada na competição. O Rodrigo, com quem comecei a voar XC, deixou o evento no segundo dia. Mas a verdade é que reina um desânimo profundo. Tenho quatro meses de inverno e trabalho pela frente. Depois, será preciso recuperar a confiança com calma, humildade e paciência.


Relato de Olympio Faissol, retirado do Blog "Oly's blog"

1 comment:

ofaissol said...

ok Paulo
sem problemas
grande abraço,
Olympio