Tuesday, January 20, 2009

Sobre Quixadá, seus ventos e térmicas, suas nuvens e pousos.

Olá amigos, faz muito tempo que não escrevo, e infelizmente o motivo é a morte do piloto André. Meus pêsames sinceros à família e aos seus amigos. Talvez o André não soubesse direito sobre o lugar onde ele estava indo voar, as condições reais de vôo em Quixadá durante o ano, particularmente nos meses de Agosto até meio de Dezembro. Por isso resolvi vir à lista falar um pouco a respeito. Quem se interessar em saber mais sobre o meu sertão, aqui vão algumas peculiaridades de Quixadá.
Não estou mais voando, mas durante 11 anos (sim, onze anos), Quixadá foi o meu lugar de vôo. Aprendi a voar lá. Adorava voar em Quixadá. Fazia em média 3 vôos por semana. Até fui trabalhar lá para poder voar mais. Foram com certeza quase mil vôos em Quixadá, nas condições mais diversas - e adversas -possíveis. Depois vou pedir a um amigo para postar alguns textos meus, saídos na Air, onde narro algumas peripécias com mais detalhes. Procurarei não ser prolixa agora, se não conseguir, me perdoem.
Quixadá é uma rampa baixinha, com apenas 280 metros de desnível, com pouso gigantesco à frente, e muitos pousos para trás, com trechos de roubadas, claro. Nos meses de janeiro a julho, a condição é de ventos médios a fracos, sendo médio para nós um ventinho de 15-20 Km/h. Nos meses de fevereiro a meados de junho, chove aqui, então vir de longe voar aqui nessa época é meio loteria, pois vai fazer pregos na maioria das vezes. Um dia ou outro vai estar bom e vai dar cross, mas isso só morando aqui e estando lá todo fds. De janeiro a julho, todo e qualquer piloto pode voar lá.
A partir de agosto o vento começa a aumentar, e o sertão vai perdendo o verde que ganhou nos meses de chuva. As térmicas ainda não estão tão fortes, pega-se no máximo 6m/s. Agora, a partir de setembro, o bicho pega. As rajadas ultrapassam 50 Km/h, algumas vezes mais de 60. Qualquer um que já veio no X-Ceará sabe que é verdade.
Setembro,outubro e novembro são meses extremamente secos aqui e de ventos muuuito fortes. Várias vezes eu esperava o vento "baixar" para 25-30 Km/h para conseguir decolar. Aprendi a cronometrar as rajadas, olhando a água do açude em baixo. Depois que decolar tem sair de perto do relevo (pra não correr o risco de cair no rotor) e pegar a termal logo mais à frente, se segurar nela. E ter cuidado, pois a termal
quanto mais baixa, mais turbulenta é. A decolagem tem que ser precisa.
Bem, saindo em direção ao cross o vôo é maravilhoso, o lugar é deslumbrante, cheio de monólitos. Há muita terra seca, pedras gigantes, pequenos açudes, e um pouco de mato verde, árvores cheias de espinhos que não secam. Juntando tudo isso temos um caldeirão fervilhante de calor com gatilhos de térmicas. É o paraíso para subir
velozmente. São fáceis de pegar termais de 8-10-12 m/s. poucas coisas no mundo devem ser tão prazerosas para um voador do que estar no miolo de uma térmica dessas. A vela parece nem se mexer, o vário emite um grito continuo, o chão vai ficando cada vez mais distante. É algo fantástico.
O grande problema é o antes e o depois desse paraíso "termístico".
Vamos lembrar apenas que em Quixadá o vento deverá estar 30-40 Km/h e na cauda vc estará voando a 70-80 Km/h. O ar em torno da termal linda de 10 não vai estar lisinho não, longe disso. Então é preciso extrema atenção antes de entrar nela, e ao entrar dificilmente vc acha o miolo logo, sua vela pode balançar muito se vc não estiver atento, isso vai causar um colapso que nem sempre é pequeno. Se entrar, segure a onda e trate de achar logo o centro, senão vai ficar chacoalhando igual nega maluca. À medida que se sobe, a termal vai ficando mais lisa.
Normalmente aqui as termais são de formações de nuvens, não termais de azul, como acontece muito em Brasília.
O teto também não é alto. De manhã fica em torno de 1200-1600 e depois do meio dia sobre a 2200-2300. Passar disso é entubar. A decisão é do piloto. Dentro da nuvem não se vê nada, só a imensidão branca. As linhas do parapente desaparecem a poucos palmos acima da sua cabeça.
Se a vela for clarinha, nem ela vc vê. Então tem que ser uma escolha muuuito bem pensada.
Eu já entrei em dezenas de nuvens, a maioria pequenas, subia relativamente tranqüila, nuvenzinhas de não mais de 500 metros da base ao topo. Mas eu tinha mais de cinco anos de vôo quando comecei a fazer isso, e havia aprendido voando de duplo com o Fleury. O problema é entubar em Quixadá, em baixo de um lindo cúmulo se formando e não saber até onde aquela nuvem crescer. Isso aconteceu comigo. Fui a 3900 metros, sai no alto da nuvem, tremendo de frio, encharcada, e com as mãos doendo de tanto segurar a vela, rezando para não tomar uma fechada e girar ou cair dentro dela. Nessa dita nuvem, que eu entrei só pra dar uma refrescada, subir mais um pouquinho, encher o tanque, quando eu tentei sair não consegui. Fiz orelhas, e de orelhas subia a 6m/s, pra vcs terem uma idéia do monstro.
Eu estava olhando o lugar do acidente do André e por triste coincidência, foi lá em Madalena que pousei nesse dia. Depois que vi no site o vôo do André no site XC, imaginei que poderia ter acontecido algo assim com ele. Entrar na termal, depois na nuvem, tentar sair e não conseguir, e ter tomado uma grande fechada e entrado em giro. Na nuvem vc perde o horizonte, girando não sabe se está em cima, de lado,
ou em baixo. Não sabemos o que aconteceu ao certo. Tantas coisas podem
ter passado pela cabeça dele nos primeiros giros. Talvez não tenha lançado o reserva com receio de jogá-lo dentro da vela, por não saber se estava em cima ou em baixo, sei lá. O problema é que em giro brusco não se tem muito tempo para pensar, pois a possibilidade de desmaio é muito grande. Tem-se que agir rápido, a não ser que seja alguém com grande experiência em ser submetido a vários Gs.
Em 2002, quando lancei meu pára-quedas em Quixadá( depois de um vôo de 120 Km, peguei uma convergência de termais de queimadas), eu estava a cerca de 150 metros do solo. Minha vela fechou quase toda, o giro foi muito brusco, não conseguia nem mover o pescoço para olhar o lado oposto ao giro. Acho que se eu demorasse mais dois segundos para puxar a alça do reserva não estaria aqui hoje pra relembrar a história. Eu tinha que lançá-lo porque estava a baixa altura, mas principalmente porque eu estava girando velozmente sem nenhum controle da vela tuistada. Se eu estivesse a 3000 metros teria feito a mesma coisa, porque eu não saberia quanto tempo estaria em consciência para tentar controlar a coisa toda. A altura pode passar a falsa idéia de que há tempo para corrigir. Há situações em que não há, se vc não estiver acordado para fazê-lo.
Outra coisa complicada em Quixadá, nos meses fortes, é o pouso. Há muita terra para pousar, muito pouso. O problema é vc pousar cedo, antes das quatro da tarde, porque a atividade térmica ainda está forte. Pousar antes das três é então super complicado para quem não tem experiência em condições extremas de termais e ventos. Alguns excelentes pilotos do Brasil e do exterior já se machucaram aqui justamente no pouso.
Normalmente eu ficava esperando a rajada passar lá em baixo, pra poder me aproximar rapidinho e pousar. Muitas vezes eu fiz orelhas, embora saiba que muita gente condena essa prática. É que é difícil ver a poeira subir rodopiando, a mata balançado, e deixar sua vela ali toda aberta, sem uma alta pressão. Bem ou mal feito, nunca tomei uma fechada a baixa altura fazendo isso. Preferia pousar de ré mais ainda, ir pro mato seco, ficar enganchada em espinhos, do que levar uma fechada a 20-30 do solo. Fechava as orelhas a uns 80 metros do solo, bem de frente pro vento, toda certinha, pra nada dar errado e provocar uma fechada. Jamais me machuquei em Quixadá, apenas uns arranhõezinhos básicos.
Muitas vezes, em Quixadá, vc pousa de ré. É estranho, vc de frente pro vento e a terra passando em sentido contrário. Quem quiser voar bem aqui, aprenda antes a domar a sua vela tão logo toque o solo, "matá-la" de imediato, para não ser arrastado. Fui arrastada muitas vezes (boa parte dos arranhões vieram daí), até desenvolver minha técnica. Mas cada um tem a sua.
Prometi não ser prolixa, mas acabei sendo. Há muitas outras coisas que se precisa saber para voar em Quixadá nessa época. O básico é isso.
Experiência em condições fortes de vento e térmicas ( pelo menos algo que seja 2/3 do que é aqui), bom preparo físico e psicológico, reflexos aguçados, vela compatível com seu nível de piloto, todos os equipamentos de segurança necessários( incluindo um bom capacete e botas), uma boa dose de humildade, seja para não decolar, esperar uma condição mais propícia, para fazer um pouso seguro mesmo o vôo não sendo tão longo quanto desejaria, ou lançar um reserva tão logo seja preciso. Isso já salvou muita gente aqui.
Ah, só mais uma coisinha. Os vôos no final da tarde são excelentes, o lugar é lindo, e mesmo decolando às quatro da tarde dá pra fazer 70 km.

Um grande abraço a todos. Bons e seguros vôos.

Mailcar Fernandes

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